top of page

Quando o passado ocupa o presente: a resistência estudantil na PUC-SP

  • carinewspuc
  • 24 de mai.
  • 7 min de leitura

A PUC-SP, instituição de ensino fundada em 1946, tem sua trajetória profundamente marcada pela luta social, e essa característica foi colocada à prova especialmente durante o período da ditadura militar.

Na década de 1970, é implementado na universidade um inovador Ciclo Básico de Ciências Humanas, uma forma de organização curricular que propunha um “conteúdo programático oferecia aos alunos uma visão crítica do país a partir da abordagem dos problemas sociais e políticos”. Também nesse período, docentes e intelectuais que foram removidos de seus cargos em universidades públicas pelos militares foram agregados ao quadro de professores da PUC-SP.

Nesse contexto, as Faculdades da PUC-SP passam a criar seus Centros Acadêmicos. Ademais, Nadir Gouvêa Kfouri é nomeada reitora ─ sendo, assim, a primeira mulher a assumir o cargo ─, fortalecendo o Movimento Estudantil na universidade.

Em 21 de setembro de 1977, estudantes de diversas universidades se concentraram na Faculdade de Medicina da USP ─ uma vez que o campus do Butantã, assim como a FGV e a PUC-SP, estava cercado por policiais ─, onde estaria acontecendo o III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE). Na saída do prédio, Erasmo Dias, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, prendeu mais de 200 estudantes, mas os liberou após prestarem depoimento. A reunião realizada na Faculdade de Medicina era, na realidade, uma manobra para desviar a atenção dos policiais para o verdadeiro III ENE, que ocorreria no dia seguinte (22) na PUC-SP.

Terminado o verdadeiro ENE, foi anunciado na atual “prainha” que o encontro havia se realizado. Nele foram coordenadas diversas lutas estudantis em nível nacional. Além disso, foi organizado um ato público para aquela noite, que seria realizado no TUCA. A Reitoria, entretanto, não autorizou o uso do teatro, temendo que ele pudesse ser invadido pelas forças policiais. Contudo, a assembleia dos estudantes decidiu, por uma votação, realizar o ato na frente do teatro.

Na noite de 22 de setembro de 1977, já percebia-se uma movimentação incomum de policiais no bairro de Perdizes. O ato estudantil iniciou-se com a leitura de uma Carta Aberta, mas foi duramente interrompido por ações de tropas policiais coordenadas pelo Coronel Erasmo Dias. Foram, então, empregadas bombas tóxicas e inflamáveis, cassetetes elétricos e tanques de guerra para atacar os estudantes ali presentes. Além disso, o campus da universidade foi invadido e alunos, professores e funcionários foram arrancados das salas de aula ou dos seus locais de trabalho e levados em fila até um estacionamento, onde 1500 pessoas passariam por uma triagem. Diversos estudantes e funcionários foram gravemente feridos pelos policiais.

Imagem disponível em: https://j.pucsp.br/noticia/lembrar-e-resistir-40-anos-da-invasao-da-puc-sp. Acesso em 22 mai 2025

Ademais, diversos estudantes perderam seus documentos por conta da extrema violência policial durante a invasão, segundo o relato do Diretório Central dos Estudantes da PUC contido no Inquérito Policial Militar. Desse modo, diversos estudantes foram presos por não poderem se identificar.

Grande parte da mobília e dos equipamentos do campus foram destruídos durante a invasão. Os Diretórios Acadêmicos foram o principal alvo dos policiais, tendo todo o seu material confiscado.

Imagem disponível em: https://j.pucsp.br/noticia/lembrar-e-resistir-40-anos-da-invasao-da-puc-sp. Acesso em 22 mai 2025

Ao ser informada sobre o ultraje ocorrido, Nadir Kfouri dirige-se à universidade e recusa-se a apertar a mão de Erasmo Dias: “não dou a mão a assassinos”.

Novamente, no início dos anos 1980, a PUC-SP protagonizou um marco histórico na educação e democracia brasileiras. A professora Nadir Kfouri foi reconduzida ao cargo de reitora por meio de voto direto de estudantes, professores e funcionários. Assim, a universidade tornou-se a primeira instituição brasileira de ensino superior a adotar esse modelo de escolha, antecedendo, até mesmo, a Campanha das Diretas Já, a qual exigia o retorno do direito da população brasileira de escolher o presidente do país.

O fim da Ditadura Militar no Brasil, marcado em 1985 com a eleição de Tancredo Neves e a posse de seu vice, José Sarney, deu início a um novo período democrático na história do país. Desde então, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) tem sido um espaço de resistência e crítica, onde estudantes mantêm uma postura ativa diante de questões sociais e políticas. Essa tradição se reflete em mais uma mobilização recente: desde a última terça-feira (20), alunos da Faculdade de Ciências Sociais (FACSOC) realizam uma paralisação com o objetivo de denunciar casos de discriminação racial, transfobia, elitismo, além de protestar contra o aumento desproporcional das mensalidades, a precarização e o encarecimento do Restaurante Universitário, o corte de bolsas de estudo na graduação e pós-graduação, e o fechamento ou sucateamento de cursos da própria faculdade.

Na noite de quarta-feira (21), o movimento ganhou novos contornos com a ocupação do campus Perdizes por parte dos estudantes, que se posicionaram contra o racismo acadêmico e a deterioração das condições de permanência estudantil. A ação é liderada pelo Coletivo Saravá e conta com o apoio de diversos centros acadêmicos, como o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI), o Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI) e o Centro Acadêmico de Ciências Sociais, História e Ciências Socioambientais (CACS). Os estudantes denunciam a negligência estrutural da universidade diante de violências e opressões atravessadas por questões de classe, raça e gênero, além de relatarem episódios recorrentes de racismo envolvendo colegas e docentes de diversos cursos.

Entre as principais pautas do movimento estão a elaboração de um currículo antirracista para todos os cursos da universidade, o letramento racial para docentes, a criação de um canal institucional para denúncias de racismo, a implementação de cotas para pessoas transgênero, a manutenção do convênio de pós-graduação San Tiago Dantas do curso de Relações Internacionais, a ampliação para duas refeições gratuitas por dia a todos os bolsistas, o congelamento ou redução das mensalidades, a ampliação de bolsas oferecidas pelos programas PROUNI e FUNDASP e o fim da precarização dos cursos ofertados pela instituição.

Em resposta à mobilização, a nova reitoria da PUC-SP, empossada neste ano, afirmou estar ciente das denúncias de racismo relatadas anteriormente e se comprometeu a acolher e analisar as demandas apresentadas. Uma reunião entre a administração da universidade e representantes do movimento estudantil está prevista para esta quinta-feira (23), com o intuito de dialogar sobre as reivindicações e buscar soluções conjuntas para os problemas apontados.

Confira abaixo a entrevista concedida por Lucas Castro, estudante de ciências sociais e membro do Coletivo Saravá.

  • De onde surgiu a ideia da paralisação?

Olha, a paralisação foi uma coisa que aconteceu organicamente, a gente sabia que era necessário fazer alguma coisa pra mudar a realidade dos alunos negros daqui e a realidade dos cursos e em resposta a isso a paralisação acabou acontecendo. Já tínhamos a noção de que precisávamos reivindicar os nossos direitos só que a partir do nosso coletivo a gente começou a perceber que precisávamos reunir as demandas dos outros cursos, que são várias, junto da pauta antirracista, e aí nos reunimos e começamos a idealizar cada vez mais a paralisação, justamente porque percebemos que o problema que a gente tinha em ciências sociais era o mesmo que tinha em serviço social, em história, que estava começando a aparecer em RI e a partir disso passamos a nos juntar mais para conseguir mudar esse cenário.

  • Como estão sendo os eventos e a participação das pessoas desde segunda-feira?

Olha, sinceramente, está sendo pesado, não no bom sentido. A gente vê que as nossas reivindicações, que começaram há 3 anos ou até mais, a luta antirracista acontece aqui há muito tempo, nunca foram escutadas. Começamos a ter mais legitimidade a partir do momento que começamos a mostrar que quem realmente está levantando as pautas e seguindo a luta é o coletivo negro, e aí passamos a ser escutados com melhores ouvidos. É a partir disso que começamos a ver as assembléias a duas semanas atrás e a ocupação essa semana.

A gente percebe também que tivemos a adesão de alguns cursos no início, logo de cara, de alguns aliados importantes, mas ao longo do tempo percebemos que isso foi se desmobilizando. Ao mesmo tempo que tínhamos uma gama de pessoas ajudando havia também outros movimentos e pessoas que não queriam acrescentar tanto.

A gente construiu mais apoio ao longo da semana. Segunda-feira começamos com um quorum só da FACSOC , e de segunda para sexta aumentamos isso de um jeito gigante. É interessante porque antes da gente se organizar aqui dentro com os coletivos a gente se organizou enquanto movimento negro; o Saravá comecou a se organizar com o movimento negro de São Paulo, então temos essas pessoas que estão dispostas a ajudar a gente, numa organização que começou de fora, com os coletivos negros, para depois vir para dentro.

Então é isso, essa batalha que estamos travando essa semana é de resistência, não só da maneira como a instituição não quer que a gente esteja aqui dentro, mas de outros movimentos que tentam descredibilizar a gente. O peso vem justamente por conta disso, desde a nossa reivindicação mais legítima, seguimos sendo deslegitimados.

  • Como está sendo o apoio oferecido pelos Centros Acadêmicos?

Está sendo um diálogo interessante, estamos conseguindo construir bem, estamos deliberando as coisas em comissões e assembléias e conseguimos trabalhar bem se conseguimos nos respeitar. Eu não sei o quanto a universidade e os movimentos estudantis se incomodam com o protagonismo do movimento negro, sabemos que isso pode incomodar mas ao mesmo tempo a gente percebe que outras pessoas querem dar essa legitimidade para o coletivo e o movimento negro.

É isso, a gente está conseguindo construir bem, construir em conjunto, mobilizando outros cursos que nem tem um Centro Acadêmico e isso é produtivo, acho que acima de tudo, acima de movimentos, temos que falar de estudantes para estudantes, de pessoas para pessoas e é isso que estamos conseguindo fazer muito bem feito, esse diálogo com estudantes no geral que não necessariamente são de um partido ou outro.

Assim, a história da PUC-SP demonstra um compromisso contínuo com a justiça social, os direitos humanos e a democratização do ensino. Da resistência à ditadura às mobilizações estudantis atuais, a universidade segue sendo um espaço de voz ativa diante das desigualdades e opressões da sociedade brasileira.


 
 
 

Comments


Em destaque

Receba notificações de novas notícias direto no seu e-mail! Cadastre-se

Email enviado!

bottom of page