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Pachinko - do Colonialismo Pachinko - do Colonialismo Japonês às Tarifas Norte-Americanas, uma nova dinâmica?

  • carinewspuc
  • 12 de jun.
  • 5 min de leitura

Recentemente, Japão, China e Coreia do Sul vêm demonstrando sinais de uma reaproximação estratégica, em parte como reação ao avanço das políticas protecionistas dos Estados Unidos e ao agravamento de riscos geopolíticos, como a guerra comercial EUA-China e as tensões no Indo-Pacífico. Em maio de 2025, foi realizada no Japão a primeira reunião trilateral de alto nível em quatro anos, reunindo os principais diplomatas dos três países. O encontro indicou um esforço para superar divergências históricas e priorizar a estabilidade econômica e política da região em meio ao atual cenário global de incertezas. O primeiro-ministro chinês Li Qiang afirmou ao primeiro-ministro japonês Fumio Kishida e ao presidente sul-coreano Yoon Suk-yeol que “nossos laços estreitos não mudarão” e que “a nossa missão de salvaguardar a paz e a estabilidade regionais não mudará”, conforme noticiado pela Reuters. Mesmo que pragmática, essa aproximação não apaga as feridas históricas que ainda permeiam a memória coletiva de países como a Coreia do Sul — o que torna ainda mais relevante a literatura que, como Pachinko, insiste em lembrar o que os acordos diplomáticos frequentemente omitem.

“Suponho que seja como quando duas senhorinhas brigam, e os moradores da aldeia sussurram constantemente em seus ouvidos sobre a maldade uma da outra. Se as senhorinhas quiserem ter paz, precisarão esquecer todo o resto e lembrar que costumavam ser amigas.” ― Min Jin Lee, Pachinko

O aclamado romance da escritora sul-coreana-americana Min Jin Lee, Pachinko, narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações vivendo como imigrantes no Japão, desde a ocupação japonesa da Coreia até o final do século XX. A obra vai além de um relato familiar: é também uma denúncia da marginalização sistemática dos coreanos no Japão e das feridas históricas deixadas pelo imperialismo japonês, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial. A ocupação da Coreia pelo Japão (1910–1945) foi marcada por políticas de assimilação forçada, apagamento cultural, exploração econômica e trabalho compulsório, cuja herança molda profundamente as relações entre os dois países até hoje. Ao longo da narrativa, acompanhamos o preconceito sofrido pelos sul-coreanos — estigmatizados como sujos, pobres e indesejados —, que além de barreiras sociais e linguísticas, enfrentam violência física, negação de oportunidades educacionais e profissionais e um constante descaso por parte do Estado japonês.

“Não sei se sou comunista. Sou contra a ideia de os japoneses dominarem a Coreia novamente e também não quero que os russos e os chineses controlem nosso país. Nem os americanos. Eu me pergunto por que não podem deixar a Coreia em paz.” ― Min Jin Lee, Pachinko

Logo, o pachinko, jogo de azar popular no Japão que dá nome à obra, não é apenas pano de fundo no romance, mas uma metáfora central. Operado por muitos coreanos descendentes, como a família de Sunja — personagem central —, o negócio do pachinko é ao mesmo tempo uma oportunidade de ascensão econômica e um símbolo de marginalização. Trata-se de um setor ambíguo, malvisto pela sociedade japonesa, mas lucrativo — onde coreanos, impedidos de exercer outras profissões e excluídos da cidadania plena, encontram um espaço de resistência. Assim como o funcionamento do próprio jogo, onde o jogador depende de forças invisíveis e imprevisíveis, os personagens coreanos são constantemente lançados à sorte de estruturas que não controlam. O jogo, portanto, representa as dinâmicas de exclusão e sobrevivência que marcam a vida dos zainichi (coreanos residentes no Japão), cujo destino parece estar sempre à mercê de sistemas construídos para mantê-los à margem da sociedade.

Em uma das passagens mais emblemáticas de Pachinko, Sunja — personagem central — decide produzir e vender kimchi nas ruas de Osaka para ajudar a sustentar a família, diante das dificuldades enfrentadas pelos coreanos no Japão, frequentemente impedidos de acessar empregos formais e bem remunerados. O kimchi, prato tradicional coreano feito de repolho fermentado com alho, gengibre e pimenta, carrega não apenas um valor nutritivo, mas também uma forte ligação com a memória, a identidade e a resistência cultural do povo coreano. No entanto, sua tentativa de garantir alguma autonomia financeira é recebida com desprezo por parte dos japoneses, que ridicularizam o cheiro forte do alimento dizendo que aquela comida era “fedorenta”. Sunja retorna para casa sem conseguir vender os potes que havia preparado com tanto esforço, no entanto, a cena expõe a coragem silenciosa e resiliente das mulheres coreanas que, mesmo diante da hostilidade e da exclusão social, insistem em preservar suas raízes e proteger suas famílias. Esse episódio, entre tantos outros vivenciados pelas personagens do livro, revela com crueza o racismo cotidiano enfrentado pelos coreanos no Japão. Através da comida — símbolo de pertencimento e continuidade cultural —, Min Jin Lee escancara como os coreanos eram vistos como inferiores e indesejáveis. O kimchi, nesse caso, não é só alimento, ele figura como um ato de afirmação em meio à exclusão.

“Viver todos os dias na presença daqueles que se recusam a reconhecer a sua humanidade exige muita coragem.” ― Min Jin Lee, Pachinko

Entre os temas silenciados na história oficial japonesa está a questão das mulheres de conforto — mulheres coreanas e de outras regiões da Ásia que foram forçadas à escravidão sexual pelo exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Embora amplamente documentado por historiadores e sobreviventes, esse episódio continua sendo um ponto sensível nas relações Japão-Coreia. Em Pachinko, o trauma da colonização japonesa está também presente no corpo das mulheres, na vergonha herdada, no estigma social. A falta de um pedido de desculpas formal e irrestrito por parte do estado japonês e a negação em reconhecer os horrores praticados pelo país durante a guerra, numa tentativa de apagar essas histórias da memória coletiva contribuem para o ressentimento ainda latente entre os países. Ao trazer esses temas à tona, a autora desafia o apagamento, reivindicando o reconhecimento do sofrimento imposto às mulheres coreanas, cuja dor têm atravessado gerações.

Diante da nova configuração econômica e política mundial, marcada pelo avanço das tarifas comerciais dos Estados Unidos e pelas incertezas geopolíticas no Indo-Pacífico, Japão, Coreia do Sul e China vêm ensaiando uma reaproximação estratégica. No entanto, como revela o romance Pachinko, alianças sustentáveis não podem ser construídas sobre silêncios históricos. A obra de Min Jin Lee traz à superfície a memória dos traumas deixados pela ocupação japonesa da Coreia, a marginalização dos zainichi e a violência sofrida pelas mulheres coreanas forçadas à escravidão sexual. Ao retratar a dor herdada por gerações, o livro denuncia não apenas a exclusão cotidiana, mas também a recusa institucional do Japão em assumir plenamente sua responsabilidade histórica. Nesse sentido, Pachinko torna-se mais do que uma narrativa familiar: é um apelo pela dignidade, pela justiça e pelo reconhecimento. Se os três países desejam de fato construir um novo capítulo de cooperação no Leste Asiático, será preciso ir além dos gestos diplomáticos — enfrentando o passado com honestidade e construindo um futuro baseado no respeito mútuo, na memória e principalmente na reparação.


Min Jin Lee, Pachinko
Min Jin Lee, Pachinko

 
 
 

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