Retrospecto das Políticas de Mianmar e suas Consequências Atuais
- Heitor Rebouças
- 7 de jun.
- 5 min de leitura
Introdução
A República da União de Mianmar é um país localizado no sudeste asiático, que faz fronteira com a China, Tailândia, Índia, Laos e Bangladesh, detendo 676 578 km² de área. Sua capital é Naipidau, apresenta o birmanês como língua oficial, tem o budismo como principal religião e soma 56,6 milhões de habitantes (2025).
Mianmar é um dos países que sofreu com as consequências do neocolonialismo na região, que levou a perpetuação de guerras civis, linchamento étnico e restrições às liberdades individuais. Esse texto abordará os motivos, as implicações e destacará as reações internacionais sobre essa crise humanitária.
Da Colonização à Independência
A primeiro contato do que viria a ser o Mianmar ocorreu na metade do século XIX, em que a região foi conquistada após uma sucessão de guerras contra o Império do Reino Unido e anexada a então Índia Britânica em 1824, sendo tratada como uma colônia a parte apenas em 1937. Tal região foi importante para a extração de jade, além da produção de borracha e madeira, e parte da população local era colocada para a construção de ferrovias para o transporte dessas mercadorias até os portos.
Sendo o território fronteira com o antigo Império japonês de Hirohito, a região foi o principal palco do embate em terra entre britânicos e japoneses, matando 1,3 milhão de pessoas em mais de 3 anos de conflito, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). De início, parte da população da colonial lutou contra a dominação inglesa sob o nome de Exército para a Independência Birmanesa (EIB), porém, após a derrota dos aliados no sudeste asiático, houve resistência ao domínio japonês, agora sob o nome de Liga Antifascista da Liberdade do Povo (LAFLP). Com o fim do conflito mundial e da derrota do Japão, o Reino Unido, sem capacidade militar para contestar as forças da LAFLP, fez um acordo com a liga, declarando a independência da Birmânia em 4 de janeiro de 1948.
Relações Internacionais da Birmânia no Século XX
Em um contexto de lutas ideológicas pautadas pela disputa entre os sistemas capitalistas e socialistas, o país foi um dos organizadores da Conferência de Bandung (1955), que tinha o objetivo de promover a cooperação entre os países asiáticos e africanos recém-independentes para discutir uma opinião frente a bipolarização causada pela Guerra Fria. Ao final da reunião, os países se decidiram ser “não-alinhados”, tentando se manter neutra diante os extremos.
Ademais, com o sucesso da conferência, em 1961, U Thant foi unanimemente apontado pela Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) para ser o terceiro secretário-geral da ONU e a primeira pessoa vinda de um país de terceiro mundo. Após o primeiro mandato de 1961-1966, ele foi apontado novamente de forma uniforme para ficar no cargo até 1971, o que foi cumprido pelo birmanense.
Por fim, em 1997, Mianmar aderiu a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), um bloco econômico que visava a aceleração do desenvolvimento econômico a partir de uma zona de livre comércio.
A Ditadura Militar
Após sua independência, a recente União da Birmânia sofreu com uma instabilidade política, devido às variedades étnicas que miravam em um rompimento com o Estado birmanês, embora a autonomia das etnias era respeitada conforme a Constituição validada no mesmo ano. Mesmo com a assumida posição de neutralidade diante a Guerra Fria, alguns grupos revoltosos se aliaram com a União Soviética e contra o poder central, a fim de receber financiamentos e armas para a derrubada do governo. Tudo isso culminou para a instauração de uma ditadura militar em 1962, liderado por generais assumidamente socialistas, mudando o nome oficial do país para República Socialista da União da Birmânia. Assim, a oposição foi fortemente reprimida, a censura se instalou nos meios de comunicação e a Constituição de 1948 havia sido abolida até o ano de 2010.
Entretanto, graças a má gestão econômica e a decorrente queda da União Soviética na década de 1990, o país, diante um novo governo militar, retirou medidas socialistas, forçou uma abertura econômica e alterou o nome oficial novamente, agora para União de Mianmar (forma que os nativos chamavam o país). A democratização de Mianmar ocorreu apenas em 2011, em que a ditadura foi dissolvida, entrando em vigor uma República bicameral (com presidente e primeiro-ministro). Porém, mesmo com um governo civil, havia uma maioria absoluta de militares na Assembleia, ou seja, o exército ainda detinha grande poder político.
Governo Atual e suas Problemáticas
Como nenhum militar foi punido pelo regime ditatorial e a permanência das forças armadas na Assembleia, em 2021, um novo golpe de Estado liderado pelo Tatmadaw (nome das forças armadas mianmarense) fez com que Mianmar entrasse novamente em uma oligarquia, que vigora até os dias de hoje. Dessa forma, iniciou-se uma verdadeira guerra civil, em que muitos civis se juntaram às forças de defesa do povo para lutar contra o governo. Com os índices econômicos cada vez piores, a população da antiga Birmânia é a que mais sofre com tudo isso. “No geral, cerca de três quartos da população estão na pobreza, mas o mais assustador é aquele que sobrevivem agora em apenas um nível de subsistência. Então, a profundidade da pobreza é enorme” disse Kanni Wignaraja, secretária-geral assistente e diretora regional do PNUD na Ásia.
Ademais, a população do país vizinho, em sua grande maioria budista, com o apoio do governo, marginaliza a minoria muçulmana rohingya, apartando-a de direitos civis, sociais e políticos, além de investidas contra vilas, tornando-as suscetíveis a tráfico humano durante sua trajetória até um local supostamente seguro. Assim sendo, os considerados “imigrantes de Bangladesh” sofrem de uma tentativa clássica de limpeza étnica em Mianmar.
Sobre o tráfico humano, devido ao grande fluxo migratório gerado pela guerra civil e as péssimas condições em que esses imigrantes forçados têm que passar, todos acabam se tornando vulneráveis ao tráfico, seja a partir de sequestro ou até pela Internet, com propostas de emprego falsas. Em Mianmar, segundo um relatório do governo americano de 2024, o número de vítimas de tráfico humano através da rede de golpes digitais poderia chegar a 120 mil no último ano. No mesmo relatório, o governo americano afirma que o próprio governo mianmarense é cúmplice desse crime, confirmando casos de corrupção relacionados à problemática.
O povo Rohingya soma 1,4 milhão de pessoas e é a maior população apátrida do mundo, já que houve um processo visando a retirada da cidadania dessa parte da população desde 1962, ou seja, essa minoria é impedida de ter acesso à educação e a saúde, entre outros serviços. A maioria budista concorda e reforça essa limpeza étnica, contribuindo com discursos de ódio e até com violência propriamente dita. Assim, como consequência, os Rohingyas não têm outra opção a não ser fugir para outros países. Bangladesh é o país mais acolhedor nesse sentido, abraçando 1,1 milhão de pessoas, de acordo com os dados da ACNUR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados).
Conclusão
A partir do exposto, é possível notar que a instabilidade política, causada pela colonização britânica, encaminhou a antiga Birmânia a um ciclo de revoluções e de violações dos direitos humanos que afetam diretamente a população a tempos. Por último, percebe-se que a situação em Mianmar afeta não somente o país, mas transborda para as nações limítrofes, graças ao fluxo migratório originado pela guerra entre a oposição armada e o governo militar.
REFERÊNCIAS
VEJA. Classe média de Mianmar “sumiu” devido à guerra civil, diz ONU. Veja, 6 jun. 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/classe-media-de-mianmar-sumiu-devido-a-guerra-civil-diz-onu/. Acesso em: 7 jun. 2025.
MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. Rohingyas: 10 fatos sobre a maior população apátrida do mundo. Médicos Sem Fronteiras Brasil, 24 ago. 2022. Disponível em: https://www.msf.org.br/noticias/rohingyas-10-fatos-sobre-a-maior-populacao-apatrida-do-mundo/. Acesso em: 7 jun. 2025.
BORGER, Julian. Why is Myanmar embroiled in conflict? The Guardian, 31 jan. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2025/jan/31/why-is-myanmar-embroiled-in-conflict. Acesso em: 7 jun. 2025.
NERDOLOGIA. Pagode em Mianmar. YouTube, 16 jan. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P745RzVU7Bg. Acesso em: 7 jun. 2025.
COUNTRYMETERS. Myanmar. Disponível em: https://countrymeters.info/pt/Myanmar. Acesso em: 7 jun. 2025.
CENTRO DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O BRASIL (UNRIC). U Thant – Mianmar. Disponível em: https://unric.org/pt/u-thant-mianmar/. Acesso em: 7 jun. 2025.
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