As dimensões do Soft Power e do Hard Power na Política Externa Estadunidense
- Cari News - Grupo 1
- 4 de abr.
- 7 min de leitura
No dia 20 de janeiro de 2025 Donald Trump assumiu pela segunda vez a presidência dos Estados Unidos. O seu discurso na cerimônia que marcou o início do mandato evidenciou os seus objetivos políticos para os próximos quatro anos, pautados no lema “Make America Great Again” (“Tornar a América grande de novo”). Essa frase, amplamente utilizada em sua campanha, sintetiza aquilo que Trump e seus representantes almejam para os Estados Unidos: fortalecer e expandir, em diferentes âmbitos, o domínio e a influência norte-americana e resgatar um passado considerado glorioso.

Em seu discurso, Trump anuncia o desejo de renomear o “Golfo do México”, que passará a se chamar “Golfo da América”, de retomar o canal do Panamá e de expandir o território norte americano: “Os Estados Unidos voltarão a considerar-se uma nação em crescimento, que aumenta a nossa riqueza, expande o nosso território, constrói as nossas cidades, aumenta as nossas expectativas e transporta a nossa bandeira para novos e belos horizontes.” Desse modo, para Reis, doutoranda de Relações Internacionais no San Tiago Dantas, os países da América Latina retornam ao radar da política externa dos Estados Unidos, dado o seu histórico de intervenção política e econômica na região (REIS, 2025).
Em termos econômicos, Trump se vale de políticas protecionistas através do uso de ferramentas, como as novas tarifas e aumento das taxas de importação de seus parceiros econômicos. Em uma conjuntura internacional marcada por conflitos regionais, Trump segue, portanto, em “uma visão ideológica da Guerra Fria” (REIS, 2025) haja vista que tem operado por meio da coerção econômica e constituído a diplomacia do medo. Desse modo, o presidente norte americano, ao atuar através de medidas nacionalistas e protecionistas em detrimento do multilateralismo, desafia e enfraquece a ordem internacional liberal.
Nesse sentido, Trump critica em grande medida a política da globalização, defendendo o retorno das fábricas e empresas estadunidenses para o território nacional. A política internacional de Trump se orienta por um viés nacionalista e protecionista, rompendo com preceitos do multilateralismo e da globalização. Sua estratégia busca reafirmar o poder dos Estados Unidos tanto no cenário econômico quanto geopolítico, adotando medidas que intensificam disputas comerciais e ampliam tensões diplomáticas. A retomada de uma postura intervencionista na América Latina e o fortalecimento de barreiras comerciais evidenciam um reposicionamento dos EUA no tabuleiro global, cujas consequências reverberam além das fronteiras norte-americanas.
Hard Power na Política Externa Estadunidense
A política externa dos Estados Unidos tem sido alvo de intensas críticas devido às decisões e declarações do então presidente Donald Trump. No cenário atual, as ações orquestradas pelo governo norte-americano refletem uma tentativa evidente de conter a ascensão da China, cuja crescente influência é percebida como uma ameaça direta à hegemonia dos EUA e à manutenção de seus interesses globais. Sendo assim, observa-se a adoção de uma postura mais agressiva diante da concorrência internacional. A constante priorização dos interesses nacionais tem sido a força motriz da doutrina de Donald Trump, muitas vezes em detrimento de alianças e acordos multilaterais. Essa abordagem reitera a tendência ao isolacionismo e ao protecionismo comercial, manifestada na ameaça recorrente de romper laços, reduzir a participação dos EUA em instituições internacionais e estabelecer políticas unilaterais.

A configuração dessa política externa se manifesta tanto no soft power quanto no hard power. Os conceitos de “soft power” e “hard power” surgiram inicialmente na obra Bound to lead, de 1990, escrita pelo cientista político de Harvard, Joseph Nye. De forma mais prática, hard power é um conceito utilizado por internacionalistas para se referir à capacidade de um país impor seus interesses e valores por meio de mecanismos econômicos ou militares. Nesse contexto, apesar das ameaças e do grande potencial bélico dos Estados Unidos, o país não possui, na contemporaneidade, uma cultura de participação direta em conflitos armados. No entanto, exerce influência significativa ao atuar como um dos principais financiadores de armamentos em conflitos ao redor do mundo. Além disso, Donald Trump tem adotado medidas econômicas e políticas que evidenciam a intenção dos EUA de utilizar seu poder para impor seus interesses internacionais de maneira mais assertiva.
Trazendo esse aspecto para a realidade material, a relação entre os EUA e o Canadá ilustra bem essa nova política americana, apesar de sua complexidade. Há uma evidente assimetria militar entre os países, o que influencia a dinâmica bilateral, mesmo com a participação conjunta em instituições de segurança como a NORAD. No âmbito econômico, embora os EUA sejam um parceiro fundamental para o Canadá, há uma interdependência comercial entre as nações. No entanto, sob a abordagem de "América Primeiro", Trump passou a enxergar o país vizinho como uma ameaça econômica e impôs tarifas ao antigo parceiro comercial. Ele justificou a medida como uma forma de proteger as indústrias americanas da concorrência estrangeira, alegando que o Canadá se beneficiava de acordos que prejudicavam trabalhadores e empresas dos EUA. No entanto, essas tarifas serviram, sobretudo, como instrumento de pressão para renegociar o NAFTA, resultando no Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA). Sendo assim, recorreu a mecanismos econômicos, uma manifestação do hard power, para impor seus interesses de forma marcadamente imperialista.
Outrossim, no que chamam de uma “guerra tarifária” que está lentamente se agravando, observamos países e blocos criando suas próprias armas de dissuasão. É o caso da “grande bazuca”, o apelido dado ao plano da União Europeia de cortar os investimentos trilionários feitos nos EUA, medida que surge em resposta às tarifas impostas ao alumínio, ferro, carros e autopeças. Na Alemanha os movimentos de Trump também correlacionam-se com a recente aprovação do aumento orçamentário da defesa, tendo em vista a instabilidade no futuro da OTAN. Entre outros exemplos viu-se China, Japão e Coreia reunindo-se pela primeira vez em cinco anos para discutir suas contramedidas e no Brasil a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para o projeto da Lei da Reciprocidade, que permite retaliar barreiras comerciais.
Tratando-se da China, a pressão não se limita à imposição de tarifas. Recentemente, Pequim rechaçou fortemente os avanços americanos na compra de portos em ambas extremidades do Canal do Panamá. Estes portos pertencentes a uma empresa de Hong Kong eram vistos por Trump como uma das razões pela qual os chineses “controlavam” a área, o que resultou em pressões do governo americano sob o consórcio responsável pela oferta. O próprio Panamá chegou a comprar aviões de combate da Embraer após ameaças do presidente estadunidense de que retomaria o controle sobre o canal.
Os exemplos supracitados evidenciam como ofensivas econômicas e bélicas andam de mãos dadas, razão pela qual atribui-se a estes elementos a definição de hard power. Donald Trump possui um claro interesse em desmontar a estrutura global que os EUA mesmo fundou após 1945, e justifica isso com a promessa infundada de que essas medidas irão salvar a indústria americana, restaurar o balanço do mercado e diminuir os impostos do povo americano. Não é novidade que o único resultado garantido, como inúmeros especialistas vêm defendendo há meses, é que esses movimentos vão somente pesar no bolso dos consumidores e causar uma enorme retaliação mundial. No futuro, o dia 2 de abril — o “Dia da Libertação”, como chamou Trump — em que anunciou alíquotas mínimas de 10% a todos seus parceiros comerciais, poderá ser visto como o barril de pólvora da Guerra Tarifária que desdobra-se diante da comunidade internacional.
Soft Power na Política Externa Estadunidense
Os Estados Unidos, ainda que notáveis pelo uso do hard power, também dispõe de diversas políticas de soft power ao longo de sua história. Sendo o conceito de soft power a forma que uma nação pode conquistar mais influência através da disseminação de suas produções culturais e valores, além de atividades diplomáticas que construam uma imagem convidativa e colaborativa do país no cenário internacional. Geir Lundestad, historiador norueguês, afirma que a influência americana expandida por todo o mundo é um “império por convites”. Essa estratégia de obtenção de poder, que opera pelas linhas de “conquistar objetivos através de atração e não coerção” é dividida pelo seu idealizador em três pilares centrais: valores políticos, cultura e política externa.

A mais célebre demonstração de soft power americano acontece em 1948, quando o governo estadunidense lança mão do então Plano de Recuperação Europeia, posteriormente conhecido como Plano Marshall, que tinha como objetivo restabelecer a Europa, dizimada no pós Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, o plano consistia em oferecer auxílio financeiro e de mantimentos de necessidades básicas a todas as nações que desejassem.
Ademais, o entretenimento sempre foi utilizado como ferramenta de poder e, desse modo, as indústrias cinematográficas, musicais e artísticas dos Estados Unidos são essencialmente utilizadas como forma de expandir a influência norte-americana no plano político e ideológico mundial. Utilizando esses recursos, o país emprega seu poder para disseminar ideias e valores que favorecem a difusão da cultura norte-americana no sistema internacional, contribuindo para a conquista dos objetivos do Estado. Exemplos como Hollywood, os principais streamings (Disney +, Netflix, HBO Max), marcas de roupa, músicas, entre diversos outros, servem como mecanismo para a propagação de ideais estadunidenses ao redor do mundo, fazendo os espectadores admirarem e almejarem um estilo de vida e uma cultura específica.
Considerando a entrada tardia na Segunda Guerra e a falta de batalhas travadas em seu território, os Estados Unidos considerava-se privilegiado na situação, oferecendo seu apoio àqueles que foram mais afetados durante a Guerra. O auxílio foi aceito por dezesseis nações: Alemanha Ociedental, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Holanda, Islândia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido. Entretanto, para além do caráter cooperativo, a iniciativa também visava impedir que Stalin, líder da União Soviética, aumentasse a área de influência do comunismo. Os países que faziam parte do Bloco Soviético foram encorajados pelo líder russo a não aceitar os insumos americanos.

Ainda no campo da política externa, também se observa a bem sucedida fundação da USAID, a agência americana para desenvolvimento internacional. Criada pelo presidente John Kennedy no início da década de 1960, a agência era responsável por auxiliar países mais pobres a se reerguer após catástrofes ambientais ou acelerar seu desenvolvimento de forma geral, provendo melhorias em infraestrutura e na manutenção das necessidades básicas das populações desfavorecidas, fortalecendo, assim, o soft power americano. Porém, com a reeleição do presidente Donald Trump, as políticas estadunidenses foram se alterando e deteriorando projetos extremamente importantes, como o USAID, para o estabelecimento das influências passivas do país. Essa agência internacional costumava ter seu orçamento em torno de US$40 bilhões, auxiliando mais de cem países pelo mundo.
Segundo Will Freeman, pesquisador do Council on Foreign Relations, as políticas trumpistas estão alterando consideravelmente a lógica política, antes estabelecida, dos Estados Unidos. Mesmo as decisões americanas sendo historicamente mais agressivas, essas sempre tiveram amparo das ações passivas. Sem o recurso diplomático em jogo, até mesmo aqueles que se entendiam como aliados dos Estados Unidos estão correndo perigo: Canadá e União Europeia já demonstraram suas preocupações e já anunciaram respostas em caso de uma ameaça militar. Dessa forma, é possível afirmar que o novo governo Trump declarou a morte do soft power nos EUA como conhecíamos e anunciou o uso único e exclusivo da força armada e da ameaça militar para atingir seus objetivos.
Posts recentes
Ver tudoIntrodução A República da União de Mianmar é um país localizado no sudeste asiático, que faz fronteira com a China, Tailândia, Índia,...
Que texto maravilhoso!!