Santiago Dantas : entenda o que está acontecendo
- Ana Caperuto, Giovanna Bottini, Layla Capato, Leonardo Meira , Rafaella Sportelli,
- 24 de abr.
- 8 min de leitura

Enquanto o curso de Relações Internacionais da PUC-SP celebra seus 30 anos de história, a Universidade avalia, neste momento, o encerramento do convênio com o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. Esse programa, de grande relevância para a Universidade e para a pesquisa acadêmica na área, teve início em 2003 por meio de um projeto de indução da CAPES — o Edital San Tiago Dantas.
Desde sua criação, o programa foi estruturado a partir da colaboração entre três universidades de excelência: UNESP, UNICAMP e a própria PUC-SP. Essa parceria se destacou pela qualidade do ensino e produção científica, apoiada por bibliotecas especializadas, centros de documentação, infraestrutura informatizada e ações voltadas à promoção de eventos acadêmicos. Em 2010, com a consolidação do mestrado acadêmico, o Programa foi ampliado com a criação do programa de doutorado, impulsionado por uma abordagem transdisciplinar e crítica das Relações Internacionais. Hoje, no entanto, esse projeto de prestígio encontra-se ameaçado, com a possibilidade real de encerramento da participação da PUC(SP).
A crise entre a Fundação São Paulo da universidade e o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas não surgiu de forma repentina, ela foi sendo construída ao longo dos anos, alimentada por omissões institucionais, falta de diálogo transparente e um projeto político que parece desconsiderar o valor estratégico e acadêmico da pesquisa crítica e da internacionalização do conhecimento.
O ponto de inflexão se deu quando a renovação do convênio, prevista para o ano de 2019, simplesmente não foi efetivada. A justificativa oficial apresentada à época foi a alegada falta de orçamento para manter o programa, ainda que o curso de Relações Internacionais da PUC-SP fosse comprovadamente autossustentável, com saldo positivo e reconhecimento público. Sem aviso prévio, e amparada por mais uma justificativa da Fundação São Paulo, desta vez relacionada ao cenário pandêmico e às eleições institucionais, a Universidade seguiu com as atividades acadêmicas normalmente, mas sem qualquer prestação de contas aos estudantes e professores vinculados ao programa, o que já indicava um processo silencioso e gradual de esvaziamento institucional.
A situação se agravou no segundo semestre de 2024, quando os professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman, nomes de referência nacional e internacional pela excelência acadêmica e pelo compromisso ético com a promoção dos direitos humanos, foram convocados a prestar esclarecimentos após uma denúncia anônima de antissemitismo, claramente infundada, motivada por suas análises críticas sobre o genocídio do povo palestino. Ambos os docentes mantêm uma atuação pautada no rigor científico e na defesa da paz e da autodeterminação dos povos, princípios que integram, inclusive, o DNA epistemológico do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. O episódio, no entanto, gerou profunda comoção e preocupação, por sinalizar que vozes críticas estavam sendo silenciadas sob a fachada de uma acusação grave e sem comprovação.
Apenas uma semana após essas acusações infundadas, a Fundação São Paulo enfim se pronunciou, de uma maneira não oficial, sobre o futuro do Programa. O conteúdo do comunicado, no entanto, não trouxe esperança: as alegações de cunho financeiro foram novamente mobilizadas como motivo para o não prosseguimento do convênio. Em uma reunião com prof REginaldo Nasser, coordenador do Dantas pela PUC(SP), o diretor executivo da Fundasp, Padre Rodolpho, chegou a afirmar : “O seu programa está em extrema-unção”¹ — uma declaração simbólica, dura e desrespeitosa, que explicitou o tom definitivo e excludente com que a Fundação vinha conduzindo o processo.
Apesar desse cenário de incerteza, o processo seletivo para ingresso de novos discentes em 2025/1 teve início, normalmente, com a publicação do edital em agosto de 2024 sem que houvesse qualquer manifestação por parte da Fundasp de que o convênio seria encerrado. No entanto, essa impressão logo se desfez: já em janeiro de 2025, os calouros e veteranos do Programa não constavam mais no sistema institucional da Universidade. O silêncio da fundação coincidiu com o fim do prazo estipulado pela CAPES, que prevê para inclusão ou exclusão de instituições em programas interinstitucionais, o que reforçou a suspeita de que a decisão de não renovar o convênio já estava tomada, só não havia sido oficialmente comunicada à comunidade acadêmica.
Em fevereiro, a investigação sobre as denúncias de antissemitismo foi finalmente concluída, determinando que não houve qualquer irregularidade por parte dos docentes. Mesmo assim, os professores orientadores foram confrontados com cortes salariais significativos, devido ao corte de matérias, cada professor contava com 10 horas de aula dentro do programa, e continuam lecionando suas matérias sem receber. Mais um indício claro de retaliação institucional e de tentativa de esvaziamento do programa por vias indiretas.
Já em março, o ambiente universitário foi violentamente abalado por atos de intolerância. No campus Monte Alegre, surgiram pichações no banheiro com mensagens xenofóbicas direcionadas a um dos orientadores do programa, de origem árabe. As frases — “Hora de limpar RI. PUC não é para árabes. A PUC é nossa, a reitoria é nossa.” — revelaram um clima de hostilidade e perseguição incompatível com os valores que a universidade diz defender. A demora de um posicionamento imediato da Reitoria frente a esse crime de ódio só agravou a sensação de abandono, medo e revolta entre os estudantes e professores. A fundação são paulo não investigou a fundo o crime cometido dentro da universidade, do mesmo modo que investigou nossos professores com as acusações de antissemitismo.

No mesmo período, um novo comunicado sobre o futuro do San Tiago Dantas foi emitido via email. A secretaria informou que a renovação estaria em “tramitação”, sem, no entanto, apresentar qualquer documento, cronograma e detalhamento que sustentasse tal afirmação. Com a falta de respostas claras e o acúmulo de contradições, o caso se tornou público e passou a receber atenção não apenas da comunidade acadêmica, mas também de representantes políticos, como deputados estaduais e vereadores, que começaram a pressionar a Universidade por explicações.
Por fim, em abril de 2025, a situação ficou ainda mais evidente com a oficialização da redução contratual dos professores orientadores do programa. Agora os professores recebem apenas por suas orientações, e não aulas. Outrossim, os alunos ingressantes não sabem se poderão ter suas orientações com os professores da PUC-SP. Essa medida, na prática, representou o encerramento silencioso do San Tiago Dantas por parte da PUC-SP. Neste momento crítico, está em pauta não apenas a continuidade de um programa de excelência, mas a identidade acadêmica e política da Universidade. O San Tiago Dantas assegura à PUC-SP um papel de protagonismo na formação de pesquisadores e profissionais que pensam criticamente o Brasil e o mundo. Seu encerramento não é uma questão de orçamento, é uma escolha política. E como toda escolha, pode e deve ser contestada.
Diante da recusa da Fundação São Paulo em renovar o acordo que viabiliza a existência do San Tiago Dantas, nos cabe olhar para o futuro com responsabilidade, indignação e coragem. Deve-se ressaltar que a FUNDASP tem função de utilidade pública e deve responder seus atos à sociedade civil. O fim do Programa de Pós-Graduação significa, na prática, um golpe duro no curso de Relações Internacionais da PUC-SP e em seus professores. Estamos falando de um curso comprovadamente lucrativo, um dos carros-chefes da universidade, referência nacional e internacional, que atrai estudantes e docentes justamente por sua excelência acadêmica e pelo vínculo com um Programa de Pós-Graduação consolidado e respeitado.
Destaca-se, ainda, a manifestação da sociedade civil frente à situação, por meio de posicionamentos públicos de representantes eleitos, como a vereadora Luna Zarattini, os deputados estaduais Ediane Maria e Carlos Giannazi, bem como os deputados federais Luciana Genro e Guilherme Boulos. Além disso, docentes e estudantes do Colégio Dantas apresentaram um recurso formal ao Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta – órgão responsável pela supervisão institucional da Fundação – que conta, entre seus membros, com a Profa. Dra. Ana Estela Haddad, representante da sociedade civil.
Com o possível fim do San Tiago Dantas, a universidade perde mais do que prestígio: perde posições nos rankings nacionais, o curso de Relações Internacionais é reconhecido como o melhor do país entre as instituições de ensino superior privadas, além de ocupar a quarta posição no RUF 2024 considerando todas as universidades brasileiras. E assim, perde atratividade para pesquisadores de excelência que enxergavam no programa uma possibilidade real de atuação acadêmica de qualidade, e perde um pilar fundamental da sua identidade crítica e inovadora. Mais do que isso, perde a oportunidade de continuar contribuindo com um projeto de país mais justo, democrático e consciente de seus desafios globais.
É nesse cenário que o movimento estudantil revela, mais uma vez, sua relevância e potência histórica — não apenas como espaço de mobilização reativa, mas como força de construção ativa, propositiva e transformadora. Se o desmonte vem de cima, a reconstrução precisa vir de baixo, das bases, do corpo estudantil que vive diariamente as contradições e potências da Universidade. Somos nós que compreendemos seu verdadeiro valor, que vai muito além das planilhas orçamentárias e da lógica fria do mercado.
O que está em jogo aqui não é apenas um programa acadêmico de excelência. É uma visão de mundo. Uma concepção de universidade comprometida com a produção de conhecimento enraizado na realidade social, orientado por valores éticos e voltado à formação de sujeitos críticos, capazes de transformar o mundo em que vivem. Perder o San Tiago Dantas não pode, de forma alguma, ser mais uma nota de rodapé na história da universidade. Essa perda precisa nos provocar, nos agitar, nos mobilizar e nos unir enquanto comunidade acadêmica.
Nos últimos dias, o CARI, juntamente com os estudantes, entregou uma carta ao secretário-geral da Fundação. Nela, há um pedido de reunião urgente, acompanhado da assinatura de mais de 300 graduandos do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. O pedido da carta foi atendido, e haverá uma reunião com o Pe. Rodolpho, Diretor Executivo da Fundação na próxima segunda-feira (28/05). Além disso, estão previstas diversas conversas com os professores do programa Santiago Dantas, e uma reunião com eles ocorrerá no próximo mês juntamente com a Reitoria. Apesar do rumo também diplomático, a mobilização continua: no mês que vem acontecerá o CONSUN², e a presença de todos os alunos será de extrema importância, devemos cobrar lá novamente, a renovação do Convênio e o investimento em Relações Internacionais.
Nós não podemos nos manter calados. Precisamos levantar nossas vozes em defesa do que construímos coletivamente. Precisamos reafirmar nosso compromisso com a educação pública de qualidade, com o pensamento crítico e com a democratização do acesso ao conhecimento. O futuro do pensamento crítico e da Universidade como espaço de emancipação passa, necessariamente, pela capacidade dos estudantes de se organizarem, se posicionarem e lutarem por aquilo que acreditam. Por isso, a participação ativa nos atos, manifestações e assembleias é fundamental para consolidar uma base estudantil sólida, combativa e massiva, capaz de enfrentar retrocessos e defender com firmeza nosso curso, nosso programa e nossa universidade. Que esse momento nos encontre unidos, conscientes e dispostos a lutar. O San Tiago Dantas vive em cada estudante que não aceita retrocessos. E é por isso que seguimos resistindo — por nós, pelos que vieram antes e pelos que ainda virão.
Nota de Rodapé
A extrema unção é um sacramento católico que visa curar os doentes, especialmente os que estão em vias de morrer.
O CONSUN é o Conselho Universitário de uma universidade. Ele é o órgão máximo de deliberação em instituições como a PUC-SP, responsável por tomar decisões importantes sobre a vida acadêmica, administrativa e institucional da universidade. Entre suas funções, o CONSUN pode deliberar sobre: criação ou extinção de cursos e programas, políticas acadêmicas, demandas apresentadas por estudantes, professores e funcionários. Quando há uma mobilização estudantil, como um abaixo-assinado ou um pedido de reunião, o CONSUN pode ser o espaço onde essas questões são levadas para discussão e decisão formal. Por isso, a presença dos alunos nesse momento é considerada tão importante.
REFERÊNCIAS
FOLHA DE S.PAULO. Ranking Universitário Folha 2024 – Relações Internacionais. Disponível em: https://ruf.folha.uol.com.br/2024/ranking-de-cursos/relacoes-internacionais/. Acesso em: 20 abr. 2025.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO. Curso de Relações Internacionais é o melhor do país, segundo RUF. Disponível em: https://j.pucsp.br/noticia/curso-de-relacoes-internacionais-e-o-melhor-do-pais-segundo-ruf#:~:text=O%20curso%20de%20Relações%20Internacionais,o%20conceito%20de%205%20estrelas. Acesso em: 20 abr. 2025.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS. Institucional. Disponível em: https://www.santiagodantas-ppgri.org/institucional. Acesso em: 20 abr. 2025
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